Do: MidiaNews
Ela conquistou a vaga de agente de serviço de trânsito, e teve que acionar a Justiça para ser nomeada
A realização do sonho de mudar de vida tem data marcada para Julia Ortiz, 39 anos: será em 5 de junho de 2023.
Nesse dia – após lutar por oito anos para ter o reconhecimento de um direito conquistado a duras penas – ela, finalmente, entrará em exercício como agente de serviço de trânsito do Departamento Estadual de Mato Grosso (Detran), graças à intervenção da Defensoria Pública de Mato Grosso.
A decisão definitiva, que garante a ela posse na vaga, foi conquistada depois que o defensor público de Cáceres, Saulo Fanaia Castrillon, ajuizou ação de obrigação de fazer, com pedido liminar, contra o Estado, em setembro de 2022.
Ele provou que Julia foi considerada inapta para a vaga na perícia médica, sem fundamento legal. A ação foi acatada em definitivo pela juíza leiga Letícia Barros e homologada pela juíza Hanae de Oliveira, no dia 17 de maio deste ano.
Júlia foi aprovada em primeiro lugar, em vaga, concorrendo como pessoa com deficiência (PcD), para a região de Cáceres, no concurso lançado em abril de 2015 e homologado em setembro daquele mesmo ano. Ela tem o diagnóstico de “cicatrizes coriorretinianas (CID H31.1) e visão subnormal em ambos os olhos (CID H54.2)”.
O prazo do concurso venceria em setembro de 2019 e prevendo que não seria chamada, em julho daquele ano, ela impetrou mandado de segurança na Justiça. Em 09 de março de 2022 ela foi nomeada. Porém, mesmo concorrendo como pessoa com deficiência, não conseguiu tomar posse, por causa do problema na visão.
Após ter a posse negada no dia 07 de abril de 2022, segundo Certificado de Sanidade e Capacidade Física emitido pela Perícia da Secretaria de Estado de Planejamento (Seplag), que a considerou “inapta para o cargo de Agente de Fiscalização de Trânsito”, Julia solicitou nova perícia.
E mesmo constatando sua necessidade especial, de novo, foi considerada inapta. Então, ela recorreu administrativamente, no que também teve resposta negativa.
“Considerando a análise realizada e os documentos apresentados concluímos que, no momento, a periciada não possui saúde física para realizar as atribuições do cargo público. Opinamos pelo indeferimento do pedido de recurso administrativo e pela manutenção das decisões proferidas nos laudos n°. 458210 e 457712”, dizia a resposta ao recurso.
Reação
Diante da negativa, ocorrida no primeiro semestre de 2022, Julia procurou auxílio da Defensoria Pública. “Aquele foi um dos anos mais difíceis da minha vida, pedi demissão do meu trabalho no Senai, porque acreditei que ia tomar posse, mas fiquei desempregada, com duas filhas para criar, vivendo da ajuda da família. Eu estava operada, tinha doado um rim para o meu primo e foi tudo muito difícil. Mas eu sabia que não poderia desistir da minha conquista”, conta.
Ação
Castrillon argumentou na ação que o laudo que caracterizou Julia como inapta para a vaga não evidenciava nexo causal entre o diagnóstico dela e sua impossibilidade de exercer a função de agente de serviço de trânsito
“Ela foi declarada inapta para o desempenho da função em virtude do seu diagnóstico de visão subnormal de ambos os olhos. No entanto, em nenhuma das perícias realizadas há fundamentação que comprove a inaptidão. Ela usa óculos de grau, sendo que sua deficiência visual é corrigível pelo uso deles”, afirma.
O defensor lembra que o Edital, no seu item 8.3, informa: “A deficiência do candidato considerado Pessoa com Deficiência (PcD), admitida a correção por equipamentos, adaptações, meios ou recursos especiais, deve permitir o desempenho adequado das atribuições especificadas para o cargo ou perfil profissional e para a área de atuação”.
Atribuição
Castrillon também lembra que na função de agente de serviço de trânsito, Julia deverá, segundo o edital, “realizar atribuições de natureza técnica profissional dentro das atividades do Sistema Nacional de Trânsito SNT nas seguintes áreas: Administrativa, Fiscalização de Trânsito, Exame de Prova Prática, Intérprete de Libras, Vistoria Veicular, assim como todo o atendimento direto aos usuários do SNT”.
Na ação, ele afirma que a deficiência visual de Julia não compromete o exercício das funções do cargo de agente do serviço de trânsito, pois ela é capaz de, numa possível abordagem de fiscalização, realizar a leitura dos documentos e checagem de placa, inserir dados em sistemas de informações on-lines e outras.
“Ela possui Carteira Nacional de Habilitação (CNH), cuja primeira é datada de 18/02/2008, emitida pelo próprio Detran/MT, o que demonstra que a sua deficiência visual não a incapacita de dirigir”, afirma.
O defensor reforça que a deficiência de Julia nunca a impediu de trabalhar e que, só nos Correios, ela foi empregada por 15 anos sem que houvesse qualquer registro em Carteira de Trabalho que desabonasse sua conduta profissional. E lembra que ela pediu demissão, no Senai de Cáceres, para assumir o concurso em 2022.
“O edital do concurso não traz nenhum requisito de caráter eliminatório quanto a acuidade visual mínima exigida para o exercício da função de agente de trânsito. Desse modo, a conclusão da perícia médica está dissonante com o edital, bem como documentos apresentados por ela, que demonstram a existência de correção para sua deficiência visual”
Último Dia
Na quarta-feira (24/5) foi o último dia de trabalho de Julia na Secretaria de Saúde de Cáceres, onde ela exerce função administrativa e recebe R$ 1,4 mil de salário.
“A partir de agora, creio, minha vida vai mudar. O salário inicial na carreira que vou assumir é de R$ 4 mil e estou muito feliz, vou poder dar uma vida melhor para as minhas filhas. Agradeço todo o trabalho da Defensoria Pública, que me ajudou a realizar um sonho e onde sempre fui muito bem tratada. Acredito que tudo acontece no tempo de Deus, por isso, não lamento ter esperado esses oito anos para chegar na minha vaga. Só tenho a agradecer”, disse.